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O desafio de mensurar resultados em RIG

Em artigo anterior[1], afirmei que as empresas privadas brasileiras operam em ambientes extremamente competitivos, tanto em nível local quanto em nível global, tendo como pano de fundo um cenário regulatório bastante adverso. Agregou-se a esse panorama já conhecido pelos profissionais de RIG, a potencialização desses desafios em decorrência da crise gerada pela pandemia da Covid-19.

Apesar desse quadro bastante negativo, no início da crise, começaram a surgir relatos apontando para um aspecto positivo. Segundo os relatos, não só a alta liderança, mas todas as demais áreas das organizações passaram a compreender melhor o ofício de RIG. Afinal, “descobriu-se” quem era responsável por monitorar, interpretar, avaliar os potenciais riscos trazidos pelos atos governamentais aos negócios, definir o caminho a trilhar para minorar ou neutralizar o risco e fazer a interface com o poder público. Assim, não obstante a pesada carga de trabalho, tornou-se mais“fácil” demonstrar o valor gerado por RIG, o que se constituiu em uma importante oportunidade para que as áreas fossem reconhecidas por seus stakeholders internos, ganhando protagonismo.

Desafortunadamente, essa oportunidade só pôde ser identificada pelas organizações que já haviam entendido que construir e manter um relacionamento sólido e contínuo com o governo é crucial para identificar oportunidades, antecipar riscos e contribuir para a construção de um ambiente de negócios favorável a elas e a seus setores de atuação. Não se pode esquecer, no entanto, que uma parcela importante das empresas brasileiras ainda não compartilha desse entendimento. Essas correm sério risco de deixar de existir ou entrar em declínio, como bem apontou Fleischer[2]. Quanto a essa parcela de empresas, espera-se que reavaliem seu posicionamento e passem a investir na construção e manutenção de relacionamento com o governo. Contudo, esse não é o foco desse artigo.


Nesse momento único, o que interessa é refletir se as áreas de RIG que foram capazes de tornarem-se protagonistas em suas organizações, transformando a crise gerada pela pandemia da Covid-19 em oportunidade, estão se beneficiando dessa posição? Estariam essas áreas conseguindo manter esse protagonismo?


Essas questões são relevantes, uma vez que é sabido que, se é desafiador tornar-se protagonista, é ainda mais desafiador manter-se nessa posição. Alguns fatores contribuem para que esse fenômeno ocorra. O primeiro fator diz respeito a deficiências na comunicação interna das organizações. A área de RIG, apesar de estar constantemente engajada com múltiplos stakeholders, muitas vezes, relaciona-se mais e melhor com stakeholders externos, desprivilegiando os internos[3]. O segundo fator refere-se à necessidade de investir tempo, dinheiro e energia à gestão estratégica das áreas.

Gestão estratégica nada mais é do que uma maneira de gerenciar a área otimizando processos para que se tornem eficazes e coesos e, sobretudo, cuidando para que estejam alinhados aos objetivos estratégicos da organização. A partir da gestão estratégica, a área pode contribuir para que o planejamento estratégico da organização seja implementado e seus objetivos estratégicos sejam alcançados. Os objetivos estratégicos da organização, por sua vez, devem estar em consonância com a sua missão e visão.

Nem todos os gestores estão atentos para isso, mas para que RIG possa realmente gerar valor, a sua estratégia deve estar alinhada à estratégia de negócios da organização. Afinal, a grosso modo, a função de todas as áreas de uma organização é apoiá-la organização na consecução dos seus objetivos estratégicos.

No entanto, esse não é um processo simples. Ele precisa estar subsidiado pela construção de referenciais estratégicos próprios, o que capacitará a área a criar o seu planejamento estratégico. O planejamento estratégico da área proporciona clareza sobre a situação atual enfrentada, captada através de uma série de diagnósticos (recursos organizacionais, pesquisas sobre a imagem e reputação e percepção de valor e análises sobre o cenário interno e externo), o caminho a seguir e a definição das ações que possam fomentar o alcance dos objetivos estratégicos.

Definitivamente, quando a área tem clareza sobre onde está, para onde deseja ir e o que fará para chegar lá, a geração de valor é uma certeza!


O terceiro fator é decorrência do segundo. Isso porque, sem o necessário investimento em gestão estratégica, a performance pode ser ineficiente e isso pode ter como consequência a dificuldade de construir áreas robustas e que operem com um orçamento adequado à implementação do seu planejamento estratégico.


Mas, de nada adianta ter investido em comunicação interna, gestão estratégica e elaborado um planejamento estratégico próprio, com objetivos bem definidos, sem a construção de um sistema de mensuração de resultados específico. Afinal, como a área de RIG pretende demonstrar como auxilia a organização a alcançar seus objetivos estratégicos?

Há quem diga que mensurar resultados em RIG é impossível, pois construir indicadores (KPI`s) é muito difícil. É certo que há uma série de pontos sensíveis, porém, afirmar que é impossível é um exagero. Será que ao tê-los em mente no momento da concepção do sistema de mensuração de resultados auxiliaria os gestores a contorná-los? Os principais pontos sensíveis a superar estão relacionados as seguintes questões:

· a criação de métricas e indicadores (KPI´s) depende da definição rigorosa de objetivos estratégicos;

· os objetivos estratégicos de RIG costumam ser de longo prazo;

· os objetivos envolvem gestão de risco e identificação de novas oportunidades de negócios, o que nem sempre está sob o controle das áreas de RIG;

· a maioria das ações de influência são realizadas em conjuntos com outros stakeholders (coalizões, associações setoriais, etc.), o que torna desafiador isolar a contribuição exclusiva da área;

· o ambiente político institucional brasileiro é complexo e instável;

· as variáveis normalmente utilizadas pelas áreas são qualitativas;

· os resultados são mensurados a partir da percepção dos próprios integrantes das áreas ou de indicadores de esforço (atividades).

Diante do exposto, é possível perceber o grau de desafio envolvido nessa construção. Apesar de não ser impossível, há alguns elementos que, quando levados em consideração, tornam esse processo mais simples e rápido.

Em primeiro lugar, é improvável que uma área que ainda não tenha estabelecido a sua proposta de valor seja capaz de construir um sistema de mensuração de resultados eficaz. A título de exemplo, a proposta de valor de uma área de RIG pode estar focada em impedir restrições adicionais para onde e como o negócio é operado; evitar futuros aumentos nos custos operacionais, tais como impostos, ou aumento de recursos para obter permissão, ou apenas custos diários de fazer negócios; possibilitar ou encorajar uma situação que permita maior vantagem competitiva, como moldar um ambiente de negócios mais favorável à sua empresa do que aos concorrentes; responder mais rapidamente às necessidades do mercado ou produzir um desempenho comercial aprimorado mais cedo.

Em segundo lugar, estar atento à cultura organizacional também é muito importante. Assim, se o CEO é orientado por números, as métricas e indicadores precisam ser quantitativos (custo evitado, receita criada e retorno do investimento). Por outro lado, uma empresa que se foca no avanço de sua marca e reputação pode preferir métricas qualitativas, tais como satisfação de seus stakeholders internos/externos, percepção da opinião pública etc. O ideal seria mesclar métricas e indicadores qualitativos e quantitativos.

Em terceiro lugar, privilegiar indicadores de resultado (impacto), em detrimento dos indicadores de esforço (atividades) é recomendável. Dessa forma, ao criar um dashboard (painel de controle), apresente números que expressem quantas foram as vitórias e derrotas legislativas, as decisões referentes às políticas regulatórias, as mudanças no comportamento de stakeholders, como por exemplo, quantos opositores tornaram-se neutros ou apoiadores das posições políticas defendidas pela organização. Com certeza, o número de vezes que a equipe esteve no Congresso, encontrou-se com líderes comunitários, participou de audiências públicas ou o número de e-mails enviados a parlamentares pode compor o rol de métricas e indicadores do sistema, mas o sistema não pode restringir-se a eles.

Parafraseando William Edwards Deming (1900-1993), “não se gerencia o que não se mede. Não se mede o que não se define. Não se define o que não se entende e não há sucesso no que não se gerencia”. Portanto, não se faz gestão estratégica sem mensuração de resultados.

Por fim, uma dica prática. Comece primeiro com indicadores menos complexos e mais fáceis de mensurar e vá, aos poucos, com a colaboração das demais áreas da organização, aprimorando as métricas e os indicadores e, por conseguinte, o sistema de mensuração de resultados da área..

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[1] GOZETTO, A. C. O. Relações Governamentais como fator de competitividade. Cadernos Adenauer XIX (2018) nº2. Disponível em:

[2] FLEISHER, C. Corporate Public Affairs: Revisiting the development of a field. Handbook of International Corporate and Public Affairs. 2017.

[3] Ver: Elias, Augusto. Comunicação interna para melhora da reputação dos profissionais de Rel. Gov. In: Revista Diálogos. Disponível em: http://emkt.irelgov.com.br/2018/ed02/ano5ed2.html#pf1f. Acesso em 06/08/2020.

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