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O Lobbying no Brasil e Representação de Interesses

Andréa Cristina Oliveira Gozetto para Revista Espaço Acadêmico nº 95. Abril de 2009.


Introdução


A criação e implementação de políticas públicas está condicionada ao processo de tomada

de decisões estatal, em que numerosos fatores relevantes interagem de forma complexa e

no qual a sociedade civil tem atuado enquanto agente catalisador de mudanças. Porém, no

Brasil, as instituições tradicionais de representação estão em crise e há um conseqüente

esvaziamento dos espaços formais de poder, o que leva atores da sociedade civil

organizados em grupos de interesse a se apropriar do espaço público a partir de uma lógica própria.


Idealmente os grupos de interesse atuam dentro de faixa própria de interesses de seus

associados em um ambiente supra-ideológico e supra-partidário1. Diferenciam-se dos

partidos políticos, pois não buscam o exercício direto do poder, uma vez que não

competem no processo eleitoral para obtê-lo.


A percepção por parte dos grupos de interesse de que as decisões tomadas pelo Estado,

tanto no âmbito do Poder Legislativo quanto no do Executivo os influenciavam e podiam

ser influenciadas por eles e o processo de redemocratização pelo qual passou o país em

1985 são alguns dos fatores responsáveis pela modificação do formato de representação de

interesses no Brasil.


Durante a elaboração da Constituição de 1988 mais de 383 grupos de interesse atuaram

com o intuito de verem os seus interesses atendidos. Essa atuação incomum até aquele

momento dado aspectos inerentes ao sistema político brasileiro fez com que o interesse

sobre o papel institucional dos grupos de interesse ressurgissem, notadamente frente ao

poder Legislativo. (Aragão, 1994)


Apesar do enfoque da mídia estar voltado comumente para formas ilícitas de representação de interesses, como a corrupção ou o tráfico de influência onde atores sociais oferecem dinheiro e/ou outros benefícios aos tomadores de decisão, em troca de diversos tipos de recompensas ilegais, em nosso trabalho enfocamos a atividade de lobbying que é realizada de forma lícita e que tem como objetivo esclarecer o legislador ou a autoridade pública sobre as decisões ou propostas que possam vir a ser encaminhadas como um mecanismo operacional de persuasão. Assim, o lobbying deve ser visto como informação objetiva disponível para, em tempo hábil, instrumentar a melhor decisão.


Entendemos lobbying como o processo pelo qual os grupos de interesse buscam participar

do processo estatal de tomada de decisões, contribuindo para a elaboração das políticas

públicas de cada país. Para isso, os grupos de interesse exercem pressão política a fim de

alcançar seus objetivos. Lobbying, no entanto, não é pressão simples . Há todo um

envolvimento do ator político no processo de produção legislativa, que compreende desde

o monitoramento dos projetos apresentados, a análise técnica das propostas, até a tomada

de posição diante das proposições mais relevantes para o grupo de interesse.


As estratégias de atuação comumente utilizadas pelos grupos de interesse e/ou pressão para a consecução de seus objetivos são: a) identificação do problema e do objetivo pretendido;

b) construção e compreensão do cenário político brasileiro atual; c) monitoramento legislativo ou tracking; d) análise do monitoramento legislativo; e) monitoramento político; f) criação da estratégia de ação, que consiste em identificar como resolver o

problema ou otimizar a oportunidade, apresentando uma proposição, projeto de lei ou

emenda; traçar uma estratégia de comunicação, marcando audiências, levando os

tomadores de decisão a eventos educacionais ou visitas às instalações dos grupos de

interesse; apresentando informação imparcial e confiável, baseada em estudos acadêmicos

e pareceres técnicos e g) execução do corpo-a-corpo, momento por excelência da pressão e

que consiste em procurar aliados e inimigos dos interesses defendidos, a fim de convencê-los a contribuir para o alcance do fim pretendido.


É importante ressaltar que, no que tange ao Poder Legislativo, o sucesso de uma ação

empreendida por um grupo de interesse e/ou pressão pode se traduzir tanto na aprovação

da proposição elaborada pelo grupo ou por um de seus aliados quanto pela rejeição,

retirada ou arquivamento da proposição à qual os interesses do grupo eram contrários.


O objetivo de nosso trabalho é discutir a estratégia de ação dos grupos de interesse no

legislativo federal brasileiro tendo em vista os fatores institucionais que moldam a sua

ação. Para a análise do caso brasileiro nos centraremos na estrutura e ação dos grupos

empresariais e de trabalhadores, e para isso analisaremos a ação da CNI (Confederação

Nacional da Indústria) e do DIAP (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar).


Optamos por um estudo etnográfico em que se aliou uma ampla pesquisa bibliográfica,

análise de documentos e entrevistas com os representantes dos grupos de interesse.


A corrente de pensamento que melhor analisa o comportamento dos grupos de interesse, de nosso ponto de vista é o neo-institucionalismo.


Contemporaneamente o neo-institucionalismo tem sido a abordagem metodológica

predominante nos estudos sobre Poder Legislativo e isso acontece porque o olhar dos

pesquisadores está voltado para o fato de que as instituições moldam as relações sociais e

políticas que se formam a partir delas e porque condicionam outras variáveis relevantes,

como os incentivos políticos dos legisladores. Assim, as instituições são tomadas como as

responsáveis por dar estabilidade ao sistema político e por moldar o comportamento

parlamentar, levando-se em consideração tanto os incentivos oferecidos por instituições

externas e o sistema eleitoral quanto à estrutura institucional do próprio Congresso. A

própria retomada do Poder legislativo como lócus de defesa de interesses pelos grupos foi

fortemente influenciada pelo processo de redemocratização brasileiro.


Para os neo-institucionalistas históricos, corrente que consideramos mais adequada ao

nosso objeto de estudo, a política gira em torno da competição entre grupos, mas essa

competição e os resultados gerados por ela são influenciados pela estrutura institucional da economia política. Assim, o Estado possui um papel muito importante, haja vista que é em seu âmbito que muitas das instituições relevantes são definidas. Instituições e tomadores de decisão não são atores neutros. Os tomadores de decisão tendem a moldar os resultados de acordo com suas preferências e as instituições que são criadas por políticos e burocratas recebem essa influência, uma vez que há interesse em moldá-las.


O ponto principal a ser destacado acerca do neo-institucionalismo está relacionado ao

reconhecimento por parte de seus teóricos de que os atores agem racionalmente e de forma estratégica, mas as alternativas de ação percebidas por eles são elas próprias moldadas socialmente.


As instituições perduram e isso ocorre porque a capacidade de alterar a estrutura

institucional é pequena devido à trajetória histórica e à forma pela qual ela restringe o

arsenal de alternativas relevantes.


Grupos de interesse em ação


A representação de interesses empreendida pelos grupos de interesse empresariais e de

trabalhadores junto ao Poder Legislativo é vista como lícita e legítima tanto por parte dos

parlamentares quanto por parte da sociedade civil.


Dois fatores são responsáveis por essa percepção. O primeiro fator está relacionado ao fato

de que tanto CNI quanto DIAP defendem apenas os interesses consensuais e majoritários

de seus filiados. Assim, questões particularistas são trabalhadas pelos próprios filiados

isoladamente, como no caso do DIAP que orienta as entidades filiadas a agir, traça

estratégias de ação e, inclusive, ministra cursos sobre processo legislativo e intervenção

política. Já a CNI orienta suas entidades filiadas a procurarem a assessoria de um escritório

de consultoria e lobbying.


O segundo fator está relacionado à capacidade de mobilização de suas bases e a

conseqüente visibilidade pública que essa capacidade garante as duas entidades guardachuva. A CNI conta com o RedINDÚSTRIA que é uma rede de informação e mobilização envolvendo a CNI e Federações das Indústrias. Dessa forma, o empresariado industrial pode ser mobilizado rapidamente através do RedINDÚSTRIA quando é necessário

influenciar no destino das proposições legislativas no Congresso Nacional.


O DIAP, por sua vez mobiliza as bases através de seus diversos canais de comunicação e

dá preferência a grandes mobilizações populares que congreguem milhares de

trabalhadores e atraiam a imprensa. Ele também é capaz de mobilizar os trabalhadores

rapidamente já que 90 de suas entidades filiadas, ou seja, 10% do total de filiados estão

sediadas em Brasília2.


Esses dois fatores aliados fazem com que haja um arrefecimento do estigma de

marginalidade que a atividade de lobbying carrega e dessa forma, os lobistas de CNI e

DIAP possuem mais e melhor acesso aos tomadores de decisão do que lobistas que

defendem interesses particularistas de outros grupos de interesse.


Os grupos de interesse dependem de uma série de atividades anteriores ao delineamento de sua estratégia de ação.


Assim, a identificação dos objetivos a serem alcançados, a apreensão do cenário político

nacional, o monitoramento legislativo ou tracking, a análise das informações coletadas

pelo monitoramento legislativo e o monitoramento político são ferramentas de grande

importância para os grupos. É esse trabalho prévio dos grupos de interesse e/ou pressão

que possibilita que suas estratégias de ação sejam traçadas.


Apesar dessa etapa anterior de coleta e análise de informação ser muito importante, ela não pode ser caracterizada como uma estratégia de ação propriamente dita, uma vez que apenas grega elementos que subsidiam o processo de delineamento da estratégia de ação dos grupos.


Caracterizamos como estratégias de ação utilizadas pelos grupos de interesse empresariais

e de trabalhadores: identificação do ato legislativo correto e redação de proposições,

projetos de lei e emendas, a marcação de audiências com os tomadores de decisão, a

elaboração de estudos e pareceres técnicos, a organização de visitas às instalações de seus

filiados, ciclos de palestras ou seminários sobre o assunto em discussão, a redação de

discursos para os parlamentares que possuem um interesse natural similar ao do grupo de

interesse e os requerimentos que fazem para determinar a escolha do relator que efetuará o parecer do projeto de interesse do grupo e que está sendo avaliado nas comissões da

Câmara dos Deputados e do Senado Federal.


O conjunto dessas estratégias só pode ser conduzido após o trabalho árduo da coleta e

análise de informações que subsidiam a ação dos grupos de interesse e/ou pressão.


Considerações finais


Acreditamos que as instituições moldam a ação dos grupos empresariais e de

trabalhadores. A influência das novas condições institucionais geradas pelo processo de

redemocratização brasileiro com o fortalecimento do Poder Legislativo nos deixa ver

claramente essa influência.


No entanto, há outros fatores institucionais que podem ser elencados, como: a) a

centralização do processo decisório no Poder Executivo, b) um sistema partidário

fragmentado, em que os parlamentares sobressaem aos partidos, c) a existência do Colégio

de Líderes na Câmara dos Deputados e c) a organização da Câmara dos Deputados (regras

de seleção das lideranças, detentores do poder de estabelecer a pauta do dia, cronograma e duração do debate). Importante notar que esses fatores institucionais são capazes de

garantir maior ou menor acesso dos grupos de interesse ao processo de tomada de decisões, determinando assim seu grau de influência.

Uma das questões centrais que nossa análise mostrou foi o caráter reativo da atuação da

CNI. Apesar de apresentar diversas emendas e notas técnicas, a CNI se abstém de

apresentar projetos originais. Dessa maneira, podemos afirmar que a ação da CNI é sempre

uma reação a proposição do poder Executivo e é possível ver, mais uma vez, como a ação

das instituições políticas é determinante para o comportamento dos agentes privados.

Para nós, o DIAP possui uma ação propositiva, pois apresentou os Projetos Um, Dois e

Três durante a Assembléia Nacional Constituinte e também uma Emenda Popular.

Atualmente, o DIAP não se restringe a acompanhar os poderes da República; ele também

faz uma tentativa de pautar a agenda desses poderes e forma opinião através da ampla

divulgação de suas publicações.


Referências


ARAGÃO, MURILLO. Grupos de pressão no Congresso Nacional: como a sociedade pode defender licitamente seus direitos no poder legislativo. São Paulo: Maltese, 1994.

FIGUEIRA, Archibaldo. Lobby: do fico à UDR. São Paulo:Ed. Sagra, 1987.

FIGUEIREDO, Argelina C. & LIMONGI, Fernando. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1999.

GRAZIANO, Gigi - Lobbying, Troca e Definição de Interesses - Reflexões sobre o Caso Americano in: DADOS, Rio de Janeiro, vol. 37, nº 2, 1994, pp.317-340.

GRAZIANO, Luigi - Lobbying and the Public Interest, outline of a talk to be given at the 20th Annual Conference of Anpocs, Caxambu, Brasil, October, 22-26, 1996.

LEMOS, Roberto Jenkins. Lobby: Direito Democrático. São Paulo: Ed. Sagra, 1988.

OLIVEIRA, A. C. J. Lobby e Representação de Interesses: lobistas e seu impacto na representação de interesses no Brasil. 2004. 296f. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, 2004.

RAMOS, D. P. Comportamento parlamentar e grupos de pressão: um estudo de caso da reforma da previdência (1995-1998). 2005. 226f. Dissertação (Mestrado) – Universidade de Brasília, Instituto de Ciência Política, Brasília, 2005.

TAGLIALEGNA, G. H. F. & CARVALHO, P. A. F. Atuação de grupos de pressão na tramitação do Projeto de Lei de Biossegurança. In: Revista de Informação Legislativa, Brasília a.3, nº 169, jan./mar. 2006.


Para maior detalhamento das questões discutidas aqui, ver: Oliveira, Andréa Cristina de Jesus. Lobby e Representação de Interesses: lobistas e seu impacto na representação de interesses no Brasil. Tese de doutorado. Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), fevereiro de 2004, Mimeo. Tese hospedada no site: www.lobbying.com.br Artigo originalmente publicado em: http://www.lobbying.com.br/2009/04/lobbying-no-congresso-nacional.html

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